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“O homem não existe”: um passeio pelas figurações do que é ser um homem

Inspirada na tradição ensaística de autoras como Susan Sontag, Virginie Despentes, Chris Kraus e Maggie Nelson, a autora Ligia Gonçalves Diniz reflete sobre os variados aspectos da vida masculina em “O homem não existe”, obra lançada este ano pela editora Zahar. A escritora parte de sua experiência como mulher, e também como teórica e leitora de literatura, para explorar, pelas lentes da ficção, as figurações do que é ser um homem.
Uma das coisas que só a ficção é capaz de nos proporcionar é a experiência de existir em um corpo que não é nosso e olhar o mundo a partir dele. Em “O homem não existe”, a autora se propõe a esse exercício e abre um repertório de referências literárias e artísticas na tentativa não apenas de entender, mas de experimentar o papel de ser esse seu duplo.

Homero, Philip Roth, Tolstói, Maiakóvski, Ben Lerner, Montaigne, Paul Preciado e muitos outros nomes entram no rol de apreciações afetivas de Ligia, que é escritora, crítica literária e professora de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Ela se debruça sobre temas frequentes a respeito dos homens: a obsessão pelo pênis, a estetização da violência e da dor física, o fantasma ou a fantasia da guerra, o ímpeto ao movimento, a apreciação da força e da beleza e o ambíguo prazer sexual. Em entrevista à revista digital Gama, a autora explica um pouco do seu processo com o livro: “o perigo é as pessoas acharem que sou especialista em homens ou masculinidade. Definitivamente não sou. Não sou socióloga nem antropóloga, sou teórica, professora de literatura e sobretudo leitora. Só que às vezes a gente pensa equivocadamente sobre literatura ou cinema, todos esses produtos culturais, como mundos inventados, que não falam da realidade. E esquece que esses mundos inventados têm efeitos sobre ela. Quem nasceu na mesma época que eu, no século 20, se vê na posição peculiar de ter uma formação cultural a partir desses objetos produzidos por homens para homens. Então esse talvez seja um ponto de partida: o que significa me colocar no lugar desses homens para fruir dessas obras, mas do lado de fora, como mulher”. 

Recorrendo à psicanálise de Freud e Lacan, fazendo contrapontos a ela e convocando outras vozes femininas para sua análise, como Luce Irigaray, Audre Lorde, Anne Carson e Amia Srinivasan, Ligia oferece um retrato sincero e irônico, mas cheio de ternura, desses seres tão esquisitos.