Body & Hair
Mulheres no protagonismo: ações climáticas e a moda como aliada
As mulheres são guardiãs da biodiversidade, pois possuem conhecimentos únicos para cuidar e regenerar a natureza, como prega a cientista Dra. Vandana Shiva, que também afirma que a opressão ambiental e de gênero é parte do mesmo sistema explorador. A indústria da moda, tecedora de saberes por gerações, é um grande exemplo de como as estruturas de poder e os impactos ambientais andam de mãos dadas e como mudanças sistêmicas precisam ocorrem dentro e para além do setor.
Um coletivo de dezenas de mulheres líderes de diversas partes do mundo tem desempenhado um papel crucial ao demandar representatividade nas negociações climáticas. Após a presidência da COP29, no Azerbaijão, inicialmente não incluir mulheres em seu comitê organizador, 75 líderes femininas de setores como negócios, sociedade civil e academia enviaram uma carta ao presidente Ilham Aliyev. Essa iniciativa levou ao lançamento da Women Leading on Climate. Durante a conferência, o grupo apresentou um documento com demandas consideradas essenciais para o sucesso da COP29, garantindo a presença das vozes femininas nas discussões.
Dentre essas líderes está a brasileira Marina Grossi, que já foi negociadora do Brasil nas Conferências da ONU sobre Mudança do Clima entre 1997 e 2001, coordenou o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003, e participou das negociações do Protocolo de Kyoto. Atualmente, Marina é presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne mais de 110 grandes empresas do Brasil. Ela também lidera o Capítulo Brasil do Women Leading on Climate, uma iniciativa única no mundo, que reflete a relevância do país, especialmente considerando que será o anfitrião da COP30.
"Por essência, a participação feminina potencializa a inclusão, gerando ambientes de confiança, diálogo e pluralidade – tanto em mesas de negociação, como na escuta às comunidades ou na proposição de políticas públicas viáveis", destaca Marina.
Marina também articula com o Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), para mobilizar o setor privado brasileiro e a comunidade empresarial internacional. “Nos próximos 18 meses, a agenda busca promover ações de alta ambição para limitar o aquecimento global a 1,5°C, avançar na implementação dos compromissos climáticos e preparar o Brasil para a COP30”.
O papel da moda na ação climática
O setor da moda, historicamente construído com uma base de mão de obra majoritariamente feminina e responsável por inúmeros impactos ambientais, também precisa assumir um papel de protagonista na transição para uma economia de baixo carbono.
O recém-lançado Caderno de Justiça Climática Moda & Têxtil, do Pacto Global da ONU, destaca que as interseções entre desigualdade social e de gênero, exploração laboral e vulnerabilidade climática revelam um dos lugares de maior dor para o setor têxtil. Como um dos maiores emissores e como indústria globalizada com ramificações em diversas partes do mundo, o setor de moda e têxtil pode dar os primeiros passos para assumir a vanguarda nas discussões climáticas. Seu peso no mercado e na economia global ampliam essa responsabilidade, e o setor reconhece seu potencial mobilizador.
"Vejo como imprescindível que o setor da moda assuma um papel de protagonista na transição justa para uma economia de baixo carbono, considerando que o setor é responsável por até 10% das emissões globais de GEE (UNEP, 2020). Aqui na América Latina, a moda desempenha um papel importante na socioeconomia, logo, a integração de práticas sustentáveis é ainda mais urgente, especialmente devido à dependência dos biomas Cerrado e Amazônia, já muito ameaçados pelo desmatamento", ressalta Danielly Mello Freire, Head de Clima do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e uma das responsáveis pelo Caderno.
A Edição Comparativa do Índice de Transparência da Moda, realizado pelo Instituto Fashion Revolution Brasil, revelou que, embora haja avanços por parte das grandes marcas na divulgação de emissões nos escopos 1, 2 e 3, os compromissos com a descarbonização ainda são limitados. Além disso, apenas 10% das maiores marcas e varejistas que operam no Brasil se posicionaram sobre o fim do desmatamento, e práticas regenerativas ainda são raras. A rastreabilidade também segue como um grande desafio, com poucas marcas divulgando a origem de suas matérias-primas.
Um Futuro de Ambição Climática no Brasil
Enquanto os desafios globais se intensificam, caminhamos rumo à histórica COP30. "Será uma conferência carregada de simbolismos: a primeira no Brasil, em solo amazônico, marcará os 10 anos do Acordo de Paris e discutirá a nova rodada de compromissos climáticos dos países, as NDCs. Nesse contexto, a COP30 definirá, de forma significativa, a próxima década de ação e cooperação entre setor empresarial, setor financeiro, governos e sociedade. Recentemente, o presidente Lula a classificou como a ‘COP da Virada’. Esperamos que, de fato, seja. Como anfitrião, o Brasil tem o papel de liderar esforços em direção à ambição climática global. Também será uma grande oportunidade para reforçar a importância de uma abordagem integrada que contemple clima, natureza e sociedade", explica Marina.
Por fim, Danielly Mello Freire reforça a necessidade da liderança feminina nas soluções climáticas: "Nesse contexto, o nosso protagonismo feminino, especialmente como mulher em STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), é essencial para impulsionar inovações e soluções sistêmicas que combinem criatividade e sustentabilidade. Precisamos de mais vozes femininas sendo educadas e inspiradas a liderar esses debates na agenda climática, assim como na condução de pesquisas e decisões estratégicas para transformar a indústria têxtil e de moda em uma aliada no combate à crise climática".
A biodiversidade e a equidade precisam estar no cerne dos comprometimentos globais, para garantir um futuro justo para todos. Desta forma, impulsionar a liderança feminina se torna parte fundamental do processo, e o setor da moda possui enorme potencial para alavancar a jornada.
Índice de Transparencia da Moda
Caderno de Justiça Climática Moda e Têxtil
Fonte: Fernanda Simon / Vogue