Saúde
FDA encerra o medo: 23 anos depois, cai a “tarja preta” da TRH
Esse aviso, o mais severo entre todos, foi incluído em 2002 após a publicação do estudo Women’s Health Initiative (WHI), cujos resultados foram amplamente mal interpretados. Por causa dele, milhões de mulheres deixaram de receber o tratamento considerado padrão-ouro para os sintomas da menopausa e da perimenopausa. Duas décadas de evidências depois, a própria FDA reconhece: os benefícios da terapia hormonal, quando indicada e acompanhada corretamente, superam os riscos para a maioria das mulheres. Este é o início de uma nova era de informação, autonomia e cuidado.A decisão dos EUA se baseou em uma revisão ampla da literatura, audiência pública e painel de especialistas. Na prática, a agência está retirando as menções em “caixa-preta” a infarto, AVC, câncer de mama e demência dos rótulos de diversos produtos de estrogênios e progestagênios aprovados para sintomas vasomotores (ex.: ondas de calor, suor noturno). Permanece a advertência específica para câncer de endométrio em produtos sistêmicos de estrogênio isolado em mulheres com útero, risco que é mitigado com a associação de um progestógeno.
O que mudou e o que não muda
Mudou o enquadramento do risco geral nos rótulos: o alerta máximo nasceu em 2002, quando os primeiros resultados do WHI (com formulações e regimes específicos) foram extrapolados para “toda e qualquer terapia hormonal”. Hoje, a leitura é mais precisa: idade, tempo desde a última menstruação, dose, via e combinação importam. Em mulheres mais jovens e no início da menopausa, o perfil de segurança é consideravelmente melhor do que se supunha; preparações transdérmicas e doses baixas tendem a ter menor risco trombótico do que orais; estrogênio vaginal de baixa dose tem absorção sistêmica mínima e risco distinto.
Não muda o básico da boa medicina: indicação individual, avaliação de histórico pessoal e familiar, escolha da via/combinação/dose e reavaliação periódica. O objetivo primário da terapia é tratar sintomas da menopausa (fogachos, distúrbios do sono, disfunções urogenitais, impacto na qualidade de vida), não prevenir doenças crônicas ainda que, para algumas mulheres, ocorram benefícios colaterais.
Por que a “tarja preta” existiu por tanto tempo?
O WHI foi um marco e também uma fonte de confusão. Seus braços principais (estrogênio + progestina contínua em mulheres com útero; estrogênio isolado em mulheres sem útero) não foram desenhados para tratar sintomas e incluíram muitas mulheres anos após a menopausa, cenário que piora o perfil de risco de certos desfechos cardiovasculares. Apesar disso, os achados foram generalizados para todas as idades e formulações, alimentando receio em médicos e pacientes. A literatura posterior refinou essas leituras, e a própria FDA agora revisa o rótulo à luz desse corpo de evidências.
O que essa mudança significa para você
Se você está em perimenopausa ou nos primeiros anos após a última menstruação, tem sintomas que atrapalham sua vida e não possui contraindicações claras, a terapia hormonal pode ser considerada e a conversa com seu médico tende a ficar menos contaminada por medos antigos e mais guiada por dados atuais. Tipos de produto, dose e via serão escolhidos conforme seu quadro (ex.: preferência por transdérmico em risco trombótico, uso de progestógeno se você tem útero; aplicação local vaginal para queixas urogenitais). Acompanhamento e ajustes fazem parte do processo é comum lapidar dose e forma até “encaixar”.
Para onde vamos a partir daqui
A revisão regulatória tira um peso injusto do rótulo e recoloca a mulher no centro da decisão, com informação de qualidade e menos ruído. Ainda há lacunas: precisamos de educação em saúde, acesso e formação profissional para que a mudança saia do papel e chegue ao consultório e à sua vida.